sábado, 26 de dezembro de 2009

Marley e a Garça




Caros leitores de hipertexto, para alguns o zapping representa uma arte, para outros um vício insuportável. O fato é que, assim como milhões de pessoas ao redor do mundo, sou um adepto dessa prática. Como todos nós sabemos, centenas de canais de uma tv a cabo não correspondem a idéia de satisfação garantida. Achar algum filme ou programa com o mínimo de qualidade constitui uma árdua missão. E nessas "andanças", recentemente me deparei com Marley e Eu. Trata-se de um daqueles típicos filmes que um dia virão a se tornar agradáveis repetecos de sessão da tarde. Isso, obviamente, pra quem gosta de um filme sessão da tarde. Até porque nem todo mundo valoriza os "filmes-pipoca" feitos para emocionar o espectador.


Diante de uma primeira impressão, ser um best-seller para mim não constitui uma boa referência. Porém, entretanto, todavia, a obra em questão tem o seu diferencial. Normalmente os filmes com animais apelam de todas as formas possíveis, cachorros que falam, papagaios com super-poderes e por ai vai. Marley não é um cachorro convencional, mas nem por isso fala ou tem super-poderes. Sua relação com o seu dono, o jornalista John Grogan (Owen Wilson), reflete muito do que pode significar uma sincera relação entre homem e animal. Mais que isso, como um animal pode acompanhar a vida de uma família. E sabemos que, infelizmente, talvez só seja possível encontrar a mesma pureza dos cachorros nas crianças.


Outro aspecto interessante concentra-se na relação de John Grogan com a sua profissão. A ambição de ser um jornalista renomado e a realidade de escrever sobre assuntos banais acabam ficando de lado, quando o americano é persuadido a assumir uma coluna. Passando a escrever sobre o cotidiano, inclusive sobre Marley, o escritor obtêm prestígio através de um caminho diferente em relação ao que a maioria dos estudantes de comunicação almejam. O sucesso que ele poderia ter alcançado por outro viés aparece representado na figura de Sebastian, amigo bem sucedido no jornalismo investigativo e solteiro convicto.

Sinceramente, os meus planos não vão muito além do que o escritor realiza. Viver de escrever crônicas do cotidiano, com filhos gerados por uma mulher estressada no naipe da Jeniffer Aniston. Morar em um lugar aprazível, escrever com um bom charuto e um óculos na beira do nariz e estar pronto para a qualquer momento aplicar a deixa "relaxa amor, deixa eu te fazer uma massagem". O best-seller eu dispenso.

Retomando. Quando John Grogan resolve mudar de cidade e jornal com o intuito de trabalhar como jornalista de fato, percebe que aquilo não faz mais sentido pra ele. Passa então a tentar convencer o editor a abrir uma brecha que possibilitasse o seu retorno a função de colunista cotidianesco. Talvez alguns considerem uma relação forçada, mas esse filme certamente poderia ser exibido em alguma aula de jornalismo. Contudo, muitos professores de comunicação estão mais preocupados em fazer política, ocupar cargos burocráticos e/ou corrigir provas com observações excêntricas (como um dia desses no qual recebi uma prova com a pérola "retórica contemporânea"... E eu lhes pergunto, o que seria exatamente uma "retórica contemporânea"? E qual a relevância disso nas nossas vidas?).


Em suma, pra mim não importa. Prefiro colunas e crônicas bem escritas do que matérias mecânicas ou artigos acadêmicos verborrágicos. E prefiro também a sinceridade dos animais e das crianças. Sobre as crianças, o inevitável é apenas adiado. Em algum momento nossa pureza acaba sendo corrompida. Felizmente em alguns casos, apenas parcialmente. E nesses casos devemos nos espelhar.

Por fim, eu só tive um cachorro e não rendeu uma história bonita como a do filme. Já tive e tenho alguns gatos, todavia não rendem uma relação honesta como o cachorro possibilita. Mas não me esqueço de um encontro com uma garça. Forçado a realizar um pit stop, ao acaso me deparei com ela... Apenas contemplando o Pão de Açúcar e articulando o seu plano de vôo. Por um instante, estive bem próximo de uma garça. Nenhuma palavra foi dita, entretanto talvez eu tenha aprendido mais com ela do que com muitas pessoas com as quais me deparo pela vida. Leveza, contemplação, simplicidade. E com certeza, Marley e tantos cachorros já ensinaram muito mais aos seus donos do que outros seres humanos ao redor deles.

(15/12/2009)

Um comentário:

  1. Adorei seu texto! Espero que minha pureza não tenha sido corrompida. Bjo

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